A Festa Literária Internacional de Paraty, um dos mais prestigiados eventos literários do país, volta ao presencial em 2022 depois de dois anos em formato virtual por conta da pandemia do coronavírus. Em sua 20ª edição, que acontece excepcionalmente em novembro, entre os dias 23 e 27, a Flip apostou na curadoria coletiva formada pela editora, tradutora e jornalista Fernanda Bastos e pelos pesquisadores e professores de literatura Milena Britto e Pedro Meira Monteiro. O trio definiu como homenageada da vez a escritora Maria Firmina dos Reis, defendida por muitos como a primeira brasileira a publicar um romance.
A educadora maranhense é considerada precursora do abolicionismo. Há pouco tempo seu livro “Úrsula”, originalmente publicado em 1859, veio sendo resgatado por diferentes editoras do país — como a Antofágica, que em 2021 trouxe ao mercado uma edição ilustrada da obra, com apresentação de Preta Ferreira e posfácios de Conceição Evaristo, Fernanda Miranda e Régia Agostinho. A autora será a quarta mulher homenageada no evento e a primeira mulher negra a receber tal honraria, justamente no ano que marca o bicentenário de seu nascimento. A escolha sinaliza um compromisso curatorial de lançar o olhar sobre figuras invisibilizadas na história da literatura, e casa muito bem com o tema do festejo, Ver o invisível.
Um esforço que se estende por toda a programação principal da festa: na maior parte das mesas de debate prevalecem as mulheres e sobressaem convidados brasileiros, o que oferece oportunidades para discutir, a partir da literatura, questões pertinentes à realidade contemporânea do Brasil. Além dos encontros dedicados à autora homenageada, a programação também propõe conversas sobre trânsitos migratórios, interdisciplinaridade artística, novas linguagens criadas pela mistura de gêneros literários, a contribuição de artistas marginalizados à ideia de brasilidade e as fronteiras entre “eu ficcional” e “eu autoral” — questão patente na obra de Annie Ernaux, por exemplo, ganhadora do Nobel de literatura deste ano e presença ilustre no evento.
Cabe lembrar que a diversidade, muito bem-vinda no programa oficial da Flip, já vinha marcando há anos a programação paralela da festa, realizada sobretudo por editoras e coletivos independentes pelas casas do centro histórico de Paraty. Agora a festividade abriu uma chamada para iniciativas autônomas e, pela primeira vez, disponibilizará um espaço para comercialização e divulgação dos trabalhos feitos por elas. A novidade parece buscar consolidar uma perspectiva menos centralizada e mais comunitária do fazer literário no país.
A agenda completa está disponível no site e os ingressos para as mesas principais já estão à venda. Com foco nas mulheres, na autoria latino-americana e tantas propostas fora da curva do evento, a expectativa é que a festa seja mesmo uma celebração daquilo que, por tanto tempo e injustamente, o sistema literário insistiu em não ver.