Tinha horror a etiquetas.
Aqueles retangulinhos brancos, por vezes coloridos, outras vezes pautados, algumas vezes protagonizados pelo Papai Noel. Aqueles pedacinhos de papel sem vida, que os adultos espalhavam por todos os lados. Em caixas, cadernos, gavetas. Aqueles bocadinhos de celulose, alguns autocolantes, outros com barbantinhos, que não tinham personalidade alguma. Não até alguém decidir por eles.
Daí, não tinha como escapar. Vinha a caneta, implacável e imperdoável, que marcava eternamente aquela alvura toda: Imposto de Renda, Para Guardar, Para Triturar, Cozinha, DVDs, Calcinhas.
Isso quando não eram aqueles canetões de cheiro forte, cuja tinta atravessava e manchava a inocência da folha debaixo.Uma vez, viu uma etiqueta ser marcada a lápis. Esperou anos pela borracha que iria libertá-la e mudar sua vida, mas a liberdade nunca veio. A pobrezinha foi para o lixo, junto com as “Contas Pagas 1988 a 1998”.
Um dia percebeu as etiquetas coladas por todo seu corpo. Quando as colocaram ali? Inteligente. Tímida. Egoísta. Engraçada. Loira. Solitária. Metida. “Você precisa decidir quem você vai ser.” – diziam eles.
Estudante. Estagiária. Assistente. Analista. Júnior. Pleno. Sênior. Competente. Incompetente. “Decida-se. O que você quer ser?”
Esposa. Mãe. Comunista. Feminista. Balzaquiana. Desleixada. Vaidosa.
Em um aniversário, no entanto, notou nos embrulhos de presentes escolhidos com carinho as etiquetas De-Para com nome de gente querida e o seu próprio escritos à mão. E não mais teve horror a etiquetas.
Pegou um daqueles canetões de cheiro forte, foi para a frente do espelho e imprimiu na pele, em letras garrafais, a etiqueta que mais lhe representou em toda a vida.
Aquela única que dizia tudo sobre si mesma: Eu.