Ainda que não trabalhe com livros, você provavelmente já ouviu falar de alguns prêmios literários importantes, como o internacional Nobel e o brasileiro Jabuti, entregues anualmente a autores selecionados por júris especializados. Importantes incentivos à escrita literária, que em diversos países recebe poucos deles, as premiações têm suas problemáticas. Como todo processo de seleção, elas pressupõem uma série de exclusões e, por mais rigorosamente técnicos que sejam os critérios considerados, as escolhas são feitas a partir da subjetividade dos responsáveis pelas avaliações.
Nessa eliminação, com frequência as mulheres são as maiores prejudicadas, como prova facilmente qualquer análise de dados dos contemplados ao longo do tempo. Essa é apenas uma das diversas restrições que podem ser levantadas em relação aos prêmios. No entanto, mesmo com as justas ressalvas, eles oferecem algo de muito valioso: a visibilidade e a ampliação do alcance da obra de determinada autoria.
Tomemos de exemplo o recentíssimo Nobel de literatura que, em 2022, premiou a francesa Annie Ernaux e no Brasil provocou o que alguns chamaram de febre Ernaux, levando os livros da autora à lista de mais vendidos de várias livrarias do país por semanas seguidas, tempos depois de sua primeira obra ter sido publicada por aqui – sem os estardalhaços que só viriam com a láurea, aliás. Dificilmente isso aconteceria sem a condecoração recebida. Aos 82 anos, Ernaux foi apenas a 17ª escritora a conquistar o prêmio, num rol de 119 laureados. A maioria esmagadora, como vemos, formada por homens. Onde estão as mulheres nos prêmios literários? A possibilidade da pergunta é por si só uma demonstração do impacto das premiações, ou da falta delas, no que diz respeito às escritoras e suas carreiras.
Nunca tivemos uma autora ou autora brasileira/o a ganhar o Nobel de literatura, apesar da indicação da grande Lygia Fagundes Telles à Academia Sueca responsável pela premiação. De toda forma, a agitação que o prêmio causa a nível internacional tem seus correspondentes a nível nacional, provocando o entusiasmo da cadeia do livro que compreende, naturalmente, o público leitor. Além do Jabuti, já mencionado, os prêmios São Paulo e o Oceanos, que envolve todos os países de língua portuguesa, são exemplos disso. Neles, as mulheres também foram destaque no ano de 2022. A paulista Rita Carelli venceu a categoria de “Melhor romance de estreia do ano” no prêmio São Paulo, com o livro Terrapreta, publicado pela editora 34, ambientado numa aldeia indígena do Alto Xingu.
O prêmio Oceanos, por sua vez, ainda não revelou seus ganhadores, mas tem quatro brasileiras entre os finalistas: a pernambucana Micheliny Verunschk com o romance O som do rugido da onça (Cia. das Letras), a paulista Maria Fernanda Elias Maglio com o livro de contos Quem tá vivo levanta a mão (Patuá), a poeta mineira Ana Martins Marques com Risque esta palavra (Cia. das Letras) e a ibero-brasileira Tatiana Salem Levy com o romance Vista chinesa (Todavia).
Talvez a mais impressionante presença feminina nos prêmios literários de 2022 tenha sido no Jabuti, que emplacou somente mulheres como finalistas da categoria “Romance literário”: Aline Bei, Andréa Del Fuego, Micheliny Verunschk, Natalia Borges Polesso e Tatiana Salem Levy. Quem levou a estatueta para casa foi a autora pernambucana, com o romance citado acima. Também na categoria “Contos” a protagonista foi uma mulher, Eliana Alves Cruz, com o livro A vestida, da editora Malê, dedicada à publicação de literatura afro-brasileira. O livro do ano – a mais importante premiação – foi o vencedor da categoria de “Poesia”, Também guardamos pedras aqui (Nós), de Luiza Romão.
Indicações preciosas para quem busca ler mais mulheres, não é mesmo? Para isso os prêmios servem bem. Como uma espécie de peneira, eles filtram as centenas de milhares de livros publicados anualmente no país e destacam aqueles tidos como dignos de leitura. Considerando que na realidade de grande parte da população brasileira resta pouco tempo para dedicar à cultura, as premiações podem ajudar bastante a definir um norte na hora de escolher em que investir.
O importante é que não nos deixemos dominar por elas. Que os prêmios sirvam como um caminho para conhecermos novas histórias e, por que não, para que as mulheres, premiadas ou não, tenham suas obras lidas, depois de séculos de desproporção. Mas que sejam, acima de tudo, um primeiro passo em direção às mudanças estruturais necessárias para que nos aproximemos da equidade de gênero no mercado literário. Afinal de contas, a literatura supera os prêmios. E as mulheres escritoras, também.