Qual a boa? com Carollina Lauriano

por Larissa Saram

Depois de quase uma década trabalhando no mercado publicitário, Carollina Lauriano decidiu encerrar a carreira e mudar completamente o rumo: “Era a época do boom do mercado de influência, comecei a perceber que todo conteúdo patrocinado era distribuído para um leque de pessoas que reafirmavam um padrão de Brasil que não correspondia com as estatísticas. Fui ficando incomodada, especialmente porque esse padrão me excluía também”, contou Carollina, que encontrou no avanço das discussões raciais dentro do universo da arte o seu lugar de recomeço.

Hoje, ela é curadora e pesquisadora de projetos de impacto em contextos diversos, como a moda. Com o olhar sempre guiado pela diversidade, ela assinou recentemente a ocupação urbana que integrou a última edição da São Paulo Fashion Week e uma instalação no festival de música Rock the Mountain.

Em nossa entrevista, ela falou sobre o apagamento histórico de mulheres nas produções artísticas, intersecção entre moda e arte e quais leituras, filmes, músicas e pessoas têm alimentado seus processos criativos.

Você fez uma mudança importante de carreira. Alguma figura feminina te inspirou nessa travessia?
Vivemos em um mundo ainda tomado por referências masculinas, e as minhas também eram. No princípio, nenhuma mulher me inspirou. E foi isso que me fez estudar as questões de gênero dentro da arte. Incomodava perceber que os espaços institucionais eram, em sua maioria, ocupados por homens, sendo que a proporção de mulheres que se formavam nas universidades era maior. Havia algo errado que acabou me instigando a começar uma pesquisa.

O que te levou a focar em produções de mulheres e corpos dissidentes, certo? 

Logo que migrei para a arte, encontrei muita resistência no circuito, de não haver respeito ou interesse, principalmente vindo de homens. Foi quando decidi pesquisar porque havia esse sistemático apagamento histórico de mulheres. A partir do momento que percebi que a lógica colonial é de invisibilizar as minorias, fui entendendo como meu corpo ocupava e era lido nos espaços para, a partir daí, questionar essas relações. Para entender essas complexidades era preciso ir mais a fundo, analisar as assimetrias dentro do próprio gênero, e quais as complexidades implicavam as relações de raça e identidade dentro dessa discussão. 

E como você avalia a produção de arte no Brasil por mulheres, corpos racializados e trans? 

Estamos caminhando para um lugar de mais abertura, mas se a gente ainda pensa que para ter uma lista que preze por equidades, ela tem que partir de corpos que estão atentos a isso, é preciso começar a pergunta sobre onde estão pessoas dissidentes nos cargos de tomada de decisão. Eu, por exemplo, apresentei uma curadoria dentro da SPFW a qual só existe uma pessoa branca entre 23 artistas. Busquei uma equidade entre pessoas negras, trans e indígenas, mas essa responsabilidade não pode vir somente de mim ou de pessoas como eu, entende? A reparação maior tem que vir de quem criou o problema. Temos algumas conquistas, ainda que sejam poucas. Há artistas que já integram times de importantes galerias e também estão no acervo das principais instituições de arte. No entando, não dá para pensar é que a cota já foi atingida. A pesquisa tem que ser uma constante. 

A moda e a arte são universos em constante diálogo. Como essa intersecção se dá na sua vida?

Sempre fui apaixonada por moda. Quando virou trabalho, vi que era algo tão potente quanto nocivo e precisei ressignificar esse espaço. A arte me mostrou que por trás de qualquer criação há o humano. Hoje, tudo que faço na moda parte de um lugar de humanidade, comigo e com o outro. Então, seja nas marcas que me associo ou as que presto consultoria, esse fator tem que estar em primeiro lugar. Meus looks partem de um lugar de sustentabilidade e isso significa ter atenção à toda cadeia produtiva. Sempre privilegio comprar de marcas que tragam diversidade de identidades e corpos em sua produção. Acredito que nosso poder de compra pode mudar essas relações. 

Como você acha que a arte pode ajudar na compreensão do mundo e de novas perspectivas? 

A arte não é passiva. Sendo assim, ela sempre nos coloca em movimento de revisão, em relação a nós mesmos e ao mundo ao redor. Não é uma tarefa fácil, por isso muita gente ainda rejeita. Mas se você está aberto, só há crescimento nesse processo.

O que ler?

Estou viciada nos livros do escritor chileno Benjamín Labatut. Li “Quando deixamos de entender o mundo” e acabei de comprar “A pedra da loucura”. Outros dois livros livros que li e recomendo são “A Bastarda”, da Violet Leduc e “Mulheres de terra e água”, que tem organização da Lucila Losito.

O que ouvir?

Ando muito apegada no último disco da Liniker.

O que assistir?

Recentemente eu assisti ao documentário “Uyrá, A Retomada da Floresta” e me emocionei demais. 

O que seguir?

As mulheres @larobertita, @joiceberth, @luandavieira, @luiza.adas e @sam_sateremawe.