Conheci o trabalho da Carol Bergier em 2014, em Santa Teresa, Rio de Janeiro. Na época, ela falava sobre empreendedorismo criativo e propósito – conceitos que vemos bastante difundidos hoje em dia – em uma casa que oferecia cursos de yoga, comunicação violenta e marketing. De lá pra cá, Carol expandiu seus contornos e facilitações e eu gosto do jeito pé no chão e capricorniano com que fala sobre o lúdico. Me traz chão e possibilidade, e é isso que vou dividir nessa entrevista: o trabalho autoral como prática e o nosso feminino como bússola.
1) Como você define sua jornada profissional?
Eu acho que o que é mais central da minha jornada profissional é que ela vem sendo um reflexo de quem eu sou a cada momento. Quando eu percebi que meu trabalho não refletia quem eu era, fiz minha primeira transição profissional. Saí do mercado de moda e fui para um sabático pra me descobrir. Voltei como jornalista, me tornei empreendedora de um espaço educacional com foco em sustentabilidade e empreendedorismo. Hoje sou terapeuta de mulheres que queiram desenvolver trabalhos autorais. Mas as formas importam pouco pra mim.
À medida em que eu vou evoluindo e me desenvolvendo, ganho habilidades, perspectivas e talentos que vão sendo colocados à serviço do trabalho, que vai ganhando novas formas. Eu vejo o trabalho como uma das grandes formas de evolução humana, como um grande espelho sobre quem a gente é, ou melhor, sobre quem a gente está. Se eu estou com dificuldades de formatar o meu trabalho e tenho um trabalho que quer abraçar tudo, eu vou olhar para os meus desafios em lidar com limites. Se eu tenho desafio de pagar as contas ou de precificar o meu trabalho, eu vou olhar para minha relação com dinheiro, para a relação da minha ancestralidade com dinheiro.
Se, como autônoma, eu não estou com coragem de falar sobre o meu trabalho, de dar as caras nas mídias sociais, eu preciso olhar para o meu medo de ser julgada, por exemplo. Acredito que os nossos trabalhos ganham potência quando a gente faz algo que é muito verdadeiro para si. E vem sendo muito importante pra mim estar ativamente engajada na criação do mundo que eu quero viver.
2) Falando diretamente sobre trabalhos, você tem uma mentoria para apoiar projetos autorais com impacto positivo a saírem do papel, como surgiu essa ideia e quais são os seus principais desafios?
Depois das transformações que a maternidade me trouxe (tenho uma filha de quase dois anos), venho vivendo uma nova fase profissional. Hoje apoio mulheres a estruturarem e prosperarem com trabalhos autorais. O que são trabalhos autorais? São aqueles que refletem quem você é. Não é necessariamente trabalhar com arte, mas sim reconhecer que a sua vida pode ser a sua obra de arte e seu trabalho pode ser um reflexo de como você vive.
Vejo tantas mulheres com trabalhos incríveis e potentes que não conseguem se bancar no mundo…. Isso me incomoda muito. Mulher é muita potência! Então a Mentoria Crescente, que eu ofereço junto com Lella Sá, vem para potencializar esses trabalhos. Eu acredito que nós, mulheres, temos muita força de criar um mundo melhor e precisamos ter recursos disponíveis para fazermos as transformações que a gente percebe como necessárias.
3) Muita gente transiciona, aos poucos, de um trabalho CLT para um trabalho autônomo e autoral. Como nivelar a temperatura desses passos?
Eu vejo que tem dois aspectos que precisam ser muito cuidados nesse processo. O primeiro, que para mim é o esteio de qualquer transição: o aspecto emocional. Precisamos ter estrutura emocional para empreender as transformações que a nossa essência pede para a gente empreender. Não é fácil e, além das garantias que um trabalho CLT oferece, eu não vou mentir: pode ser emocionalmente intenso. Então é necessário fazer um trabalho interno consistente. Agora, tem um outro aspecto que não pode ser deixado de lado: aspecto prático, mental, estratégico. Sem ele a gente não não cria o fluxo de caixa que é necessário para a transição, não consegue estudar para estar preparada para fazer aquilo que a gente quer fazer. É sobre uma alquimia entre o intuitivo, o emocional com o foco e a estratégia.
No processo de transição em si, eu recomendaria ter o que eu e Lella chamamos de “projeto de experimentação” que é você se manter no trabalho que você está enquanto abre espaço na sua agenda para experimentar alguma outra coisa que você queira fazer. Durante essa experimentação, você vai validar se aquilo que você queria é mesmo o que toca seu coração, se você é boa fazendo aquilo, e os espaços no mercado pra isso.
O projeto de experimentação é o primeiro passo para o processo de transição como um todo. E a partir daí, você vai ganhando dinheiro com o que era o projeto de experimentação e vai “desmamando” aos poucos do CLT, encontrando formatos com mais flexibilidade dentro das habilidades que você já tem: vai ser freelancer, trabalhar meio período, ser consultora. Mesmo que esse não seja o trabalho que te dá mais prazer, é o ganha pão enquanto o trabalho que você ama ainda não te banca. E aos poucos você vai migrando de um pro outro.
4) Como criativa e artista, penso que um dos principais desafios que tenho é precificar meu produto, e não ter medo ou vergonha de prosperar financeiramente com ele. Você sente isso na sua mentoria?
Totalmente! Eu brinco que que o termo “negócios” esteve por muito tempo dentro de calças compridas e a gente precisa colocá-lo dentro das saias. Eu acho que não é só sobre você ser criativa e artista. É também sobre você ser mulher. Para nós, mulheres, é muito mais desafiador valorizar o nosso trabalho. Historicamente, nosso trabalho é desvalorizado e a arte e a criatividade no mundo são vistos como um aspectos superficiais, para puro entretenimento. Contudo, não existe transformação sem arte. A arte vem para ampliar repertórios de possibilidades. Não existe um novo mundo sem criação. A gente precisa de repertório para criar futuros desejáveis, porque o que está posto não está bom. Precisamos de novas formas de viver. E o trabalho artístico abre essa visão.
Quando nós mulheres estamos atuando em nossos trabalhos criativos, artísticos e autorais, estamos indo de encontro a essa tentativa sistêmica de desarticular o poder de criação da mulher. Na prática, é sobre valorizar o próprio trabalho, é sobre valorizar a própria existência e, também, estudar sobre precificação e recuperar o termo negócios, que foi cooptado por uma forma de vida destrutiva. Mas podem haver negócios profundamente regenerativos. Inclusive, já existem aos montes.
5) No seu perfil, no instagram, você fala muito sobre planejamento. Esse é, pra você, o principal pilar para o desenvolvimento de um trabalho autoral com consciência e consistência?
Não. Não acredito que planejamento é o principal pilar. Eu acredito que planejamento é uma forma de criar, é uma forma de se comprometer com uma vida mais bonita para si e para o mundo. O planejamento como a gente conhece é algo muito rígido, focado em metas, quadrado, racional. Por isso eu digo que não acho que o planejamento é a coisa mais importante na criação de um trabalho autoral. Não esse planejamento que a gente vê por aí!
Pra desenvolver um trabalho autoral, para mim, o que mais importa é conexão com o mundo subjetivo, com a intuição, com a emoção. O racional vem a serviço disso. O planejamento que eu ofereço dentro do método “Um Ano pra Chamar de Seu” é um planejamento que une subjetividade e objetividade, com que parte da conexão com a essência para daí criar metas e objetivos. As metas são importantes, as ações são essenciais. Sem ação nada acontece. Mas de onde parte a ação? De uma ideia rígida de certo e errado? Da obstinação por sucesso e dinheiro? Não é nesse mundo que quero viver. A ação, pra mim, precisa partir de uma conexão com a subjetividade, com o mundo interno, com aquilo que é verdadeiro pra si.
O que você espera de 2023?
Nossa, que difícil! Espero que em nível coletivo a gente amplie a consciência da interdependência, de que as nossas ações não estão isoladas do todo. Para o nosso país, eu gostaria que a gente se comprometesse de fato com a proteção das florestas e dos povos originários. Para minha família, desejo saúde e alegria e para mim, desejo que eu encontre um bom equilíbrio entre trabalho, família e meu autocuidado, o que para nós mães não é algo simples. E pras mulheres, desejo que gente não tenha medo de assumir a nossa potência, que a gente pare de se diminuir pra caber e que a gente possa dar as mãos umas para as outras para criar um mundo mais cuidadoso e mais amoroso.
Se você quiser saber mais sobre a Carol, corre aqui. Se você quiser saber sobre o “Um Ano pra Chamar de Seu”, curso prático de planejamento criativo integral, pule pra cá.