Roupas coloridas, uma vibe vibrante e muito carão. Ana Paula Santos, diretora de marketing e co-fundadora da Denga, app de relacionamento para a comunidade preta, é aquele tipo de pessoa pra cima, com energia contagiante. Protagonista de uma história de vida com um começo difícil, ela precisou buscar dentro de si muita motivação para alcançar os objetivos que traçou para a carreira e a vida pessoal. “Pude sonhar que havia um mundo melhor e ele era enorme e lindo pra se conhecer. A ideia de mudar passou a ser minha força diária”. Em nossa conversa, ela deu detalhes sobre como se tornou essa figura inspiradora e quais são suas referências culturais.
Você teve uma infância muito difícil. O que a motivou a não desistir dos seus desejos?
Fiquei orfã aos 8 anos e fui morar na casa de parentes que não queriam cuidar de mim. Eu só tinha o mínimo para sobreviver, teto e comida. A principal linguagem eram os maus tratos. Em uma realidade triste e bem solitária, o interesse que tinha pela leitura acabou se tornando meu refúgio. Então, fazia minhas tarefas domésticas e corria para uma biblioteca pública próxima à casa onde vivia. Lia cerca de 1 livro por dia. Pude sonhar que havia um mundo melhor e ele era enorme e lindo de se conhecer. Passou a ser minha força diária a ideia de mudar de vida e conhecer essas possibilidades todas que me encantavam.
E como essa mudança de vida aconteceu?
Não foi fácil! Trabalho desde os 13 anos, tive diversos empregos. Como mãe solo e jovem, precisei me organizar para conseguir ingressar numa faculdade, me formei aos 28 anos, em marketing e logo já entrei na área. De lá pra cá, passei por algumas startups e fui tendo cada vez mais contato com o ecossistema de inovação. Tracei um plano pra mim, defini as empresas do mercado que gostaria de trabalhar e passei a me conectar com as pessoas dessas empresas, estudar o currículo delas, trajetórias e a me preparar para estar pronta quando tivesse uma oportunidade. Em 2021 fui procurada por 3 dessas 5 empresas e tive que decidir em qual delas eu seguiria minha carreira. Escolhi a Google.
Como é o seu trabalho hoje lá?
Atualmente coordeno um programa de aceleração tech de startups que foca em Inteligência artificial e armazenamento de Dados e Aprendizagem de máquinas. É uma responsabilidade enorme escolher quais startups e empreendedores terão ajuda em seu crescimento, resultados e impacto. Recentemente coordenei uma turma de startups fundadas por pessoas negras. Ver de perto o impacto que isso gera, inclusive na vida pessoal de algumas dessas pessoas, é gratificante.
Você é também uma das sócias da Denga, aplicativo de relacionamentos que tem como público-alvo pessoas pretas. Qual é a importância, no território do amor preto, em existir um app como esse?
Para muitas pessoas, ter um relacionamento afrocentrado é importante pelo fato de ter alguém que entenda a sua realidade, suas dores e lutas. Eu e meus sócios tivemos a experiência pessoal de usar outros apps e não nos sentimos incluídos. E mesmo que se tenha a tentativa de se relacionar interracialmente, através de aplicativos, o dito padrão de beleza procurado nos desfavorece.
Quais são os próximos planos para o Denga?
O projeto lançado no dia 14 de outubro teve um total de 36 mil downloads em 7 dias. O que confirmou a necessidade que a comunidade negra tinha de se relacionar com iguais. Agora, a ideia é ter aderência do maior número de pessoas negras no Brasil e conseguir investimento para expandir o Denga para outros países. Também teremos ações fora do digital, como um baile sazonal exclusivo, que rode o país e fomente o amor preto.
E quais são os planos de futuro para a Ana Paula?
Aspiro escrever um livro, contando detalhes da minha trajetória, para poder inspirar outras meninas negras que estão em situações de vulnerabilidade. Quero trazer uma perspectiva nova. Também desejo viajar para os países da África e me aprofundar em minha ancestralidade, cultura e criar mais conexões com os meus, ouvir suas histórias e aprender cada vez mais. Ah, eu quero continuar podendo sonhar e realizar o quanto for possível.
O que ler?
O livros “O Pacto da Branquitude”, de Cida Bento; “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus; “Mulheres, Raça e Classe”, de Angela Davis e “Em busca de Mim”, biografia da atriz norte-americana Viola Davis.
O que ouvir?
Os podcasts “Mano a Mano”, “Se organiza”, “Conversa de Portão”, “Bonita”, “Não Inviabilize” e “É Nóia Minha?”. Na playlist de músicas: “Zero”, da Liniker; “Amarelo” e “Principia”, do Emicida e “Oya”, Quintal dos Prettos.
O que assistir?
Os filmes “Uma Garota de Muita Sorte” e “Queen e Slim”, disponíveis na Netflix, e “Estrelas Além do Tempo”, na Disney+. Minhas séries favoritas são “This Is Us”, que está na Prime Video, e “Insecure”, na HBO.
O que seguir?
A @anapaulaxongani é o verdadeiro lifestyle preto: ela passeia por questões familiares, reflexões sobre questões políticas e sociais, fala de comida e moda. A @larissaluzeluz faz contribuição no programa “Saia Justa” enquanto mulher negra e me traz paz e um pouco de conforto em entender que não estou só em diversos questionamentos. E a @mariagalreal, que é de uma representatividade, uma força e uma amostra de que é possível a mulher preta chegar “lá” e ainda ser divertida.