“Os estudiosos localizam as primeiras cerâmicas por volta de 9.000 a.c1., na região de Anatólia, que passam a integrar, a partir daí, as mais diversas culturas, distantes no tempo e no espaço”.
Escolhi abrir a entrevista de hoje com esse texto da Enciclopédia do Itaú Cultural. Conversei com a Pri Pach, artesã, fotógrafa e ceramista carioca, que optou por transacionar a rotina na publicidade para o tempo próprio do seu ateliê. A partir da vivência com a cerâmica, ela criou a Solo.
Quando a cerâmica chegou na sua vida?
A cerâmica chegou em uma fase de ruptura em diversas áreas. Tendo que lidar com a ansiedade, comecei a absorver o ritmo da prática, que envolve diversas etapas graduais, e consegui me autocentrar novamente e aceitar o ritmo natural das coisas. A modelagem me permite conexão com os pensamentos, pois exige atenção plena dos movimentos… Isso me faz desconectar principalmente do universo virtual.
Como você define seu processo criativo e o valor de um fazer artesanal em tempos tão digitais?
É orgânico. Não deixo tudo premeditado. Às vezes, um projeto muda conforme as circunstâncias do momento e o que era para ser de um jeito, toma outro rumo, outra forma… Isso vai conforme o meu humor do dia ou muitas vezes porque a argila também recria movimentos a partir do local e clima onde se encontra. O tempo também define formas por mim, e eu aceito a mudança enxergando o que a peça me sugeriu de outro ângulo. O artesanal em tempos digitais permanece para nos lembrar das nossas origens, é uma prática ancestral. O ser humano evoluiu a partir deste movimento. Além disso, o resultado sempre será único, pois para cada criação, existe uma personalidade impressa na obra. Vejo um valor inestimável no singular.
O que a cerâmica te ensina?
A aceitar, todos os dias, o imprevisível. A abraçar a nossa total falta de controle sobre os fatos e apreciar o percurso da criação de forma resiliente. Em tempos onde a tendência é padronizarmos coisas, é importante enxergar o diferente como belo.
Você fez uma transição de carreira e hoje trabalha dedicada aos seus projetos de cerâmica: produtos e aula. Como foi acontecendo esse movimento?
Sempre tive a necessidade de manifestar meus trabalhos autorais e trabalhar no campo da criatividade, e sentia que dentro do formato padrão de trabalho em empresas, eu não conseguia ser quem eu desejava. Depois de um tempo trabalhando com marketing, decidi me jogar na carreira solo em busca dessa autonomia e, a partir daí, as coisas começaram a se desenrolar, fui fazendo contatos e criando a minha rede de apoio. Acredito que quanto mais tempo você investe em um projeto, mais as coisas vão prosperando. Naturalmente a vida vai te trazendo oportunidades.
O que uma pessoa deve saber, ao começar a se experimentar na cerâmica?
Aprender a relaxar e a lidar de forma receptiva com as etapas e resultados da cerâmica, sem acelerar os processos ou pular fases. Acho que a expectativa muitas vezes pode nos frustrar, se a gente não se desprender da projeção. É importante entender que nem sempre as coisas saem como a gente espera, e muitas vezes pode até sair melhor do que o esperado.
O artesanato é um resgate da sua infância?
Sempre fui uma criança que gostava de estar em contato com a natureza. Felizmente, através de amizades, tive oportunidade de vivenciar isso e entendi que aquilo me nutria de alguma forma. Fui dando continuidade a essa conexão ao longo da vida. Quanto ao trabalho manual, eu me permiti aprofundar nesse universo depois que me aventurei na vida de empreendedora. Me joguei em alguns cursos como tingimento natural em tecido, costura, papel machê, pintura à óleo, mas o que realmente dei continuidade foi a cerâmica.
Como o seu fazer te aproxima de você e da sua casa?
Meu ateliê fica em casa, então, ao mesmo tempo em que tenho que criar uma atmosfera distinta para que as coisas fluam durante a rotina de trabalho, sempre estou em conexão com o lar. O trabalho e o cotidiano se retroalimentam constantemente. Gosto de criar utilitários justamente porque amo estar presente no lar das pessoas, construindo histórias junto com elas a partir de um jantar que foi servido com as minhas peças ou uma planta que tem sido cultivada no vaso da solo. Acredito que dar continuidade ao meu trabalho através do viver em uma casa é propagar o meu fazer para novas esferas.