Poucas são as chances de sair ilesa diante de uma obra de Marcela Scheid. Ao navegar pelo perfil da artista no Instagram, somos atravessadas pelo vermelho intenso, figuras femininas e frases curtas que geram identificação imediata ao tratarem de vulnerabilidade e outros temas do ser mulher nos dias de hoje. “Tenho vontade de cada vez mais falar sobre nossas questões de gênero que ainda são minimizadas. Quanto mais falo sobre esse assunto, mais entendo que é preciso continuar falando”, contou ela, que pretende expandir as plataformas de exposição de seu trabalho e lançar ainda em 2022 um livro de poemas.
Marcela é carioca, mas há 10 anos escolheu São Paulo como endereço definitivo. A cidade e o modo de vida acelerado que ela imprime, aliás, têm influência direta nas criações das peças, assim como as próprias fragilidades e história de vida da artista. Em nossa conversa, Marcela deu mais detalhes sobre sua trajetória, além de fazer uma seleção do que ler, assistir, ouvir e seguir:
Como começou a sua carreira como artista? O desenho sempre foi um destino certo?
A minha relação com o desenho é turbulenta. Queria desenhar dentro dos padrões e fiz inúmeras aulas achando que devia aprender uma técnica específica. Depois de anos de frustração, voltei ao desenho com um outro olhar e entendi que o que precisava era entender o meu estilo e o que tinha pra falar pro mundo através dele.
Você tem um trabalho voltado para o feminino. Por que deu foco ao universo das mulheres?
Sempre fui cercada por mulheres, criada por mulheres e inspirada por mulheres. Mas o foco de gênero realmente começou a se afirmar depois de estudar muito sobre feminismo e me entender no mundo como mulher. Tenho vontade de cada vez mais falar sobre nossas questões de gênero que ainda são minimizadas. Quanto mais eu falo sobre esse assunto, mais entendo que é preciso continuar falando.
A figura de uma menina é recorrente no seu trabalho, quase uma assinatura. Sei que ela foi criada depois de um momento difícil. Poderia contar um pouco desse processo?
Foi uma fase ruim da minha vida, em 2009. Um ano em que sofri um abuso sexual e também tive uma depressão profunda, não sentia felicidade com nada. Foi bem difícil. Eu tinha exatamente o cabelo do desenho e essa forma. Não sei explicar o porquê exato, mas acredito que esse ano e a minha própria imagem me marcaram muito. Demorei anos para entender tudo o que vivi naquele momento, pra entender que não era culpa minha. Acho que o desenho trouxe isso pra mim mesmo que inconscientemente.
Você é uma carioca morando em São Paulo. A cidade é também uma inspiração?
Estou em São Paulo há 10 anos. Construí do zero e com esforço tudo o que tenho aqui, minhas relações, meu trabalho, minha casa. A ansiedade de ter muito o que fazer é real oficial, é preciso aprender a lidar com a quantidade e rapidez das coisas. Acho que a cidade, por me deixar mais ansiosa, acabou me inspirando a colocar as coisas pra fora. E talvez tenha me dado um pouco mais de coragem. Se eu pudesse dar uma adjetivo para a cidade seria corajosa. São Paulo é muito corajosa.
Você está sempre participando de vários projetos ao mesmo tempo. Quais são os planos para o futuro que já vem aí?
Agora em 2022 estou com alguns projetos, uma collab com a marca Jouer Couture e o meu livro de poema.
O que ler?
“Escute as Feras”, de Nastassja Martin. Esse livro me marcou muito nesse ano, acho que todo mundo deveria ler ele.
O que ouvir?
Como uma boa canceriana sou fã de músicas tristes e uma eterna EMO. Em 2021 e 2022 ouvi muito uma cantora chamada Girl in Red – eu juro que o nome é pura coincidência.
O que assistir?
“O Acontecimento”, de Audrey Diwan, filme inspirado no livro de uma das minhas autoras preferidas, Anne Ernaux. Forte e extremamente necessário, um tema que precisamos abordar e discutir no feminismo.
O que seguir?
Tem duas psicanalistas que sigo que falam de coisas que me inspiram demais. Manuela Xavier (@manuelaxavier) fala sobre feminismo, relações abusivas e muitos outros assuntos que envolvem a vida contemporânea de uma mulher. Ana Suy (@ana_suy) aborda o amor e a solidão e como a gente precisa saber lidar com os nossos vazios.