Foi ainda em 2017 que a jornalista e escritora Crib Tanaka passou a olhar com mais cuidado o universo tão rico e potente do feminino. Na época, os movimentos #MeToo e #PrimeiroAsserdio estavam em acensão. As hashtags criadas por mulheres nas redes sociais se caracterizaram como marco no movimento feminista, pois passaram a dar voz às denúncias de assédio sexual, além de promover discussões sobre o tema.
A partir de então, a jornalista passou a enxergar ao seu redor projetos de mulheres com narrativas diversas que, se unidas, poderiam surtir grande efeito no que diz respeito à expressão e aprendizado.
Assim nasce o REFLETE, projeto que tem a palavra oral e escrita como expressão e a reflexão como proposta. As vivências presenciais no Rio de Janeiro evoluíram na publicação de três livros, mais de 40 textos no Medium, um perfil no Instagram e agora está prestes a se transformar em podcast.
O que entendemos com isso tudo é que, além da capacidade múltipla de criação de Crib Tanaka, ainda há muito o que ser discutido quando o assunto são vivências femininas, suas particularidades e influências. Por isso, convidamos a escritora para um bate-papo sobre a trajetória do projeto, as consequências da pandemia no seu trabalho e indicações de mulheres inspiradoras pra seguir já.
“Por que abandonamos ou menosprezamos saberes ancestrais, tradicionalmente e ritualmente passados de geração a geração por mulheres? E em que momento passamos a achar que a natureza não faz parte da gente e passamos a nos desconectar tanto da nossa essência?
O Reflete é um projeto que tem a narrativa feminina como pauta. Quando ele surgiu e qual foi a motivação principal?
O REFLETE surgiu em 2017, quando o feminino começou a me chamar a atenção, tanto pelos movimentos feministas que já vinham acontecendo – como o #PrimeiroAssedio e o #MeToo -, quanto pelo o que a sociedade vê e divulga como feminino. Essa investigação pessoal me levou a criar o projeto, tendo a palavra oral e escrita como expressão e a reflexão como proposta.
Com esse interesse, que foi se aprofundando mais e mais, comecei a enxergar ao meu redor a quantidade de mulheres que eu conhecia e admirava, pelos seus projetos, saberes e pontos de vista múltiplos e eu só pensava: “nossa, mais gente precisa saber disso”. Assim, comecei o REFLETE, com a curadoria de 6 vivências presenciais de diferentes temas (dança, meditação, escrita, arte, antropologia e Sagrado Feminino), compartilhados por mulheres especialistas dentro de cada assunto. Logo depois veio o Instagram e o Medium .
Atualmente vocês têm um perfil na plataforma de publicação Medium, o Instagram e três livros publicados. Como você o Reflete no futuro? Já existe alguma diretriz ou é um caminho que você vai construir de forma orgânica mesmo?
Eu sempre construí meu caminho em coerência com o que sinto, de acordo com a minha natureza – ou seja, sim, de forma orgânica. 🙂 E pra onde essa vontade me leva agora é para a retomada de encontros. Sinto falta da troca e do compartilhar que foi o pontapé do REFLETE. Em tempos de quarentena, estou pensando em maneiras de como realizar isso online ou por lives ou criando grupos de troca/aprendizado. Outro projeto, que já iniciei, é de um podcast.
Os livros “Pés descalços no Sagrado Feminino”, “Perfumaria Ancestral” e “Empreendedorismo Feminino” fazem parte das publicações com o selo do Reflete. Conta pra a gente como se deu esse projeto e como foi feita a curadoria dos temas?
Em 2018, com o feminino mais presente na minha vida como ponto de atenção e reflexão, duas coisas me geravam questionamentos constantes: por que abandonamos ou menosprezamos saberes ancestrais, tradicionalmente e ritualmente passados de geração a geração por mulheres? E em que momento passamos a achar que a natureza não faz parte da gente e passamos a nos desconectar tanto da nossa essência? Assim, veio a ideia da coleção, com curadoria minha e publicação pela Editora Memória Visual. A proposta é ampliar o debate e gerar um pensar e repensar de espaços, opiniões, escutas e falas. Para que a gente lembre que existem diferentes maneiras e direitos de se viver e sentir o mundo.
Neste mesmo ano, lançamos dois livros. Pés descalços no Sagrado Feminino, por Helena D´Arádia, fala sobre essa prática espiritual, com base matriarcal, que traz o respeito à natureza e à essência feminina como guias. E em A Perfumaria Ancestral, a historiadora Palmira Margarida compartilha o seu estudo sobre plantas e notas olfativas e nos mostra como e porquê o olfato é subestimado na nossa sociedade, que domestica cheiros naturais.
Dando continuidade ao projeto, em 2019, outro questionamento me veio forte: por que ainda não somos vistas – e muitas vezes não nos vemos – como empreendedoras? Por que o sucesso parece algo não destinado às mulheres? Por que deixamos tantos projetos somente no papel? Convidei então Monique Evelle, empresária especializada em negócios sociais, para falar sobre o tema, de maneira muito realista e objetiva, inspirando e, ao mesmo tempo, mostrando, sem rodeios, como é ser empreendedora no Brasil.
Ah! Interessante dizer que todos os livros foram “gerados” por mulheres. Além das escritoras e de mim, a editora, a revisora, a designer, a ilustradora todas são mulheres.
A gente sabe que a escrita é um trabalho criativo que, por sua vez, vai depender das vivências do escritor. Como tem sido o efeito da pandemia para a Crib e quais foram as consequências disso no trabalho?
Estou desde o dia 13/03, em home office e sem pisar na rua, tocando tanto meu dia a dia de trabalho (sou coordenadora de conteúdo na 6D), quanto o REFLETE. Tenho tido mais consciência sobre como nossas atitudes são ligadas ao coletivo e tenho redimensionado muita coisa, desde consumo (e aqui não falo só de roupas ou objetos, entra a alimentação e informação), até relações. Busco me manter, ao mesmo tempo, sã e atenta (difícil quando vemos as notícias) e tento ao máximo não cair na autocobrança extrema, que foi algo que me pegou no primeiro mês de isolamento.
Escrever sempre foi a minha forma de organizar sentimentos e, por isso, as palavras estão saindo como afluentes. Eu tenho escrito muito, muito, muito mesmo. É minha maneira de me manter firme e conseguir expressar tudo que vai aqui dentro.
Por fim, conta pra a gente quem são as mulheres que mais inspiram você a continuar com o Reflete e qual o recado você daria para as que sonham em tocar os seus projetos criativos, mas ainda não têm coragem.
As mulheres que mais me inspiram hoje são as que mantêm seus discursos alinhados com as práticas, que buscam sempre se aprimorar e que veem suas atitudes – todas – como atos políticos. Dentre elas (ainda bem, são muitas), estão Helena D´Arádia, pelo compartilhar de saberes matriarcais ancestrais e nativos e pela condução firme e amorosa dos círculos femininos no Bosque de Arthêmis (@bosquedearthemis ). Giovanna Nader (@giovannanader), pela divulgação de práticas e movimentos ligados à proteção do meio ambiente, desde dicas do que podemos fazer em casa, até leituras ou movimentos onde nosso voto pode ser feito até de casa (ativismo de sofá, como ela mesmo chama). Ana Lira (@anaretratografia), pela arte e articulação ligadas às expressões e celebrações das diásporas negrodescendentes. Cris Lisbôa, pela sua escola de escrita livre Go,Writers (@gowriters), com metodologia criada por ela e sempre em evolução e trânsito. Djamila Ribeiro (@djamilaribeiro1), que compartilha um olhar tão necessário sobre o feminismo e o lugar de fala, tanto em seus escritos, quanto na coordenação da coleção Feminismos Plurais – e que tem feito ótimas lives nessa quarentena.
Meu recado pra quem quer tocar seus projetos criativos e ainda não foi em frente? Lembrar, todos os dias, que coragem vem do coração. E que, ao contrário do que falam, coração e mente andam juntos.
Conta aí se essa não é uma inspiração e tanto pra tirar aquele seu projeto do papel e mostrá-lo ao mundo? Motivação e inspiração é que não vão faltar, né?