motivos para assistir e amar Jessica Jones

por Cantão

Sempre gostei da mitologia e das metáforas que os quadrinhos e histórias de heróis podem permitir, mas estava reticente em assistir a Jessica Jones. Andava desanimada com o gênero, já que as adaptações para o cinema priorizam efeitos especiais e grandes combates às nuances dramáticas. Qualquer subtexto mais interessante acaba se perdendo. Dessa vez, no entanto, fui surpreendida.

Jessica Jones é uma série da Netflix criada por Melissa Rosenberg e inspirada na personagem homônima da Marvel (você pode encontrar mais informações sobre a história da Marvel aqui). Embora tenha sido primeiro idealizada por uma dupla masculina (o escritor Brian Michael Bendis e o ilustrador Michael Gaydos), Jessica Jones ganhou muito na versão de Rosenberg para a televisão. Nada como uma mulher para compreender o universo em que as mulheres vivem, afinal.

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Nesse sentido, Jessica Jones trata com muita competência de dilemas que nos assombram todos os dias, assim como desconstrói estereótipos: a protagonista é interpretada pela atriz Krysten Ritter e está longe de ser uma heroína tradicional. Personalidade forte, ranzinza, temperamental, o alcoolismo é apenas a ponta do iceberg de questões muito mais profundas e sombrias com as quais Jessica precisa lidar.

Vou tentar evitar spoilers, mas não posso evitar a sinopse: depois de um acidente, Jessica adquiriu habilidades extremas, como uma força sobre-humana. Mas nem isso foi o bastante para protegê-la de Kilgrave, o vilão que possui um poder difícil de combater: ele é capaz de controlar mentes e usa o seu “dom” de maneira perversa e abusiva.

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Após ter passado por um longo período sob o domínio de Kilgrave e sofrer todo tipo de abuso por conta disso, a série começa quando Jessica está tentando se recuperar do trauma e ter uma vida “normal” como investigadora particular. Com habilidade, o roteiro toca em pontos muito sensíveis sobre as consequências de uma relação abusiva. No lugar de efeitos especiais estilo blockbuster, temos cenas realistas e obscuras. Jessica enfrenta dificuldades com as quais todas as mulheres poderão se identificar de algum modo e provavelmente por isso também a série, que estreou no último dia 20, tem conquistado uma legião de fãs mundo afora tão rapidamente.

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Outro ponto que tem rendido elogios: a sexualidade de Jessica não é óbvia, como a de muitas heroínas curvilíneas com figurino desconfortável e ~provocante,~ mas também não é um tabu. Ela é um ser pensante, independente e sexual, que busca ser dona de sua própria vida e de seu desejo. Jessica não se sente à vontade no papel de vítima, embora se veja forçada a reconhecer as suas vulnerabilidades. Isso não impede que a gente enxergue na tela uma mulher forte e corajosa. Jessica é apenas humana, apesar de seus poderes, e o lugar que o fantástico ocupa nesse roteiro é apenas o suficiente para que o real não se perca.

Outra personagem interessante é Jeri Hogarth (interpretada por Carrie Annie-Moss), uma advogada bem sucedida, poderosa e ambiciosa que é casada com outra mulher e mantém um caso com sua secretária muito mais jovem. Aparentemente fria e capaz de ser cruel, certamente em outra trama seria representada por um homem heterossexual.

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Nenhuma das personagens femininas é retratada de maneira superficial, o que é uma grata surpresa para o gênero. Gosto especialmente do espaço que a amizade entre Jessica e Trish (Rachel Taylor) ocupa na história e a maneira complexa como é retratada.

A série está em sua primeira temporada. São ao todo treze episódios de aproximadamente 60 minutos cada. Com Jessica, tivemos uma importante conquista sobre representatividade feminina na TV em 2015, trazendo reflexões sobre temas essenciais para que a gente possa conquistar a igualdade pretendida — e merecida. Recomendo!