Qual a Boa? Com Andrea del Fuego

por Larissa Saram

Que tipo de olhar o mundo faria sobre você se todos os seus pensamentos pudessem ser
lidos? É nesse lugar que Andrea del Fuego coloca o leitor em “A Pediatra” (Companhia das Letras, R$ 54,90), romance curto, em primeira pessoa, sobre uma médica especialista em cuidar da saúde de crianças e que não desenvolveu nenhum talento para estabelecer relações afetivas com elas – nem com ninguém. E essa é só uma das muitas ambivalências contidas no enredo.

A vida margeada pelo controle da protagonista Cecília é contraposta às suas narrativas imaginadas, recheadas de absurdos, construídas em bases de agressividade e muita, muita ironia. “Quase 80% do que acontece na história são pensamentos dela. Cecília não descansa, está em constante vigilância do próprio espaço e de quem pode invadir as suas fronteiras“, diz Andrea.

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Nesse papo rapidinho, além de falar sobre o livro recém-lançado, a autora paulistana conta sobre o papel da escrita em sua vida e indica qual a boa para ver, ler, ouvir e seguir:

Qual foi o ponto de partida para criar Cecília e sua história de controle emocional em “A Pediatra”?

Queria escrever uma história que tratasse um pouco sobre maternidade. Em “A Pediatra”, a médica que não gosta de criança e que não tem instinto materno vive encapsulada nela mesma, não consegue fazer a ponte entre ela e o mundo. O livro é em primeira pessoa, por isso temos contato com a mente sem filtro de Cecília. São poucos os acessos ao que acontece fora da cabeça dela. Em termos de linguagem, o desejo era fazer um texto que fosse fluído e que o leitor se sentisse pensando quase simultaneamente com a personagem, com a mesma velocidade, que tivesse a mesma organização sempre vigilante.

Apesar da maneira crua com que a protagonista tenta levar a vida e as relações, é impossível não gostar dela! Por que acha que Cecília gera empatia?

A estratégia de fazer um pensamento sem filtro gera identificação natural. O pensamento não tem freio e nós cometemos erros, até atrocidades neles. O passo para a ação é outra história. A falta de paciência que Cecília tem em relação à velocidade das pessoas, ao temperamento delas, isso é comum, faz parte da nossa constituição. Cecília é também muito solitária e, de alguma maneira, sensível e talvez por isso gere empatia. Ela tem o seu sofrimento. É uma vilã vulnerável, que tem pontos que podem ser atingidos. Isso ela só vai descobrir depois.

Esse é o seu nono livro. Qual é o significado da escrita para você?

A escrita pra mim é quase um instinto. Escrevo desde que me entendo por alfabetizada. Comecei as primeiras redações numa escola pública de São Bernardo do Campo, onde fui criada, e sempre tive meu cadernos. Minha vida foi tomando um rumo ou outro, nunca pensei em ser escritora, mas mantive minha produção textual. E não era assim, sagrado, sabe, de altar!? Era uma espécie de escova de dentes, para a minha assepsia. Pode parecer um tom de escrita curativa, mas não é isso, era uma extensão. Tinha um desejo estético com esse texto também. Até que saiu o primeiro livro, depois o segundo. Nunca programei nada, nunca fiz um plano de carreira.

O que ler?
“Baixo Esplendor”, do Marçal Aquino, é o que estou lendo agora

O que ver?
Estou reassistindo “Annie Leibovitz – a vida atrás das lentes”, um documentário sobre a trajetória da fotógrafa norte-americana que foi casada com a Susan Sontag

O que ouvir?
Zimbo Trio

O que seguir?
Tenho gostado de acompanhar o perfil do psicanalista argentino Marcelo Augusto Pérez, no Instagram é @psicocorreoargentina.