Repensando a representação das mulheres na cultura

por Fabiane Secches

O Valkirias é um site colaborativo que tem se destacado por discutir a representação feminina na cultura contemporânea: “Somos um site sobre cultura pop, feito por mulheres e para mulheres, que busca discutir música, cinema, TV, literatura e games sob uma perspectiva feminista”, definem as editoras.

Conversamos com Ana Luiza Alves, uma das responsáveis pelo site, que nos contou mais sobre o projeto.

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Como a equipe que fundou o Valkirias se conheceu e por que decidiram criar o site?

A vontade de ter um site para falar sobre cultura contemporânea e levantar questões que sempre acabavam sendo deixadas de lado em páginas mais abrangentes não era nova, sobretudo porque há muito tempo já sentia falta de um espaço onde pudesse falar abertamente sobre o assunto, mas foi só em março de 2016 que eu [Ana Luíza] tive coragem de compartilhá-la. Publiquei um tuíte perguntando se alguém teria interesse de embarcar em uma cilada comigo e quase de imediato as meninas [que hoje formam o coletivo] começaram a responder. De repente, a vontade já não era apenas um desejo abstrato, mas um projeto real. Nos conhecíamos de outros carnavais —  algumas, pessoalmente, outras não —  e admirava profundamente a escrita e trabalho de todas elas, então foi um presente imenso tê-las junto comigo nessa jornada.

Desde o início, ficou claro que estávamos na mesma página e almejávamos as mesmas coisas, de modo que nossas conversas sempre fluíram muito facilmente. Às vezes temos problemas, somos muito diferentes em vários aspectos, embora muito parecidas em outros, e nem sempre concordamos inteiramente umas com as outras, mas construímos uma relação muito forte de amor, amizade e cumplicidade nesse meio tempo, que extrapola até mesmo nosso trabalho, e acho que isso também acaba sendo refletido naquilo que fazemos no site. O nome Valkirias foi uma sugestão da Thay [Thayrine Gualberto], inspirada pela mitologia nórdica.

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Como tem sido a experiência de administrar um projeto independente formado por mulheres? 

O Valkirias fez um ano de vida no último mês de maio, e a experiência de tocar um projeto independente durante todo esse tempo (e um pouco mais, passados alguns meses do aniversário), tem sido a melhor possível. Começamos sem saber que cresceríamos tanto em tão pouco tempo e que, com isso, logo precisaríamos ampliar o nosso time. Atualmente, contamos com mais de vinte colaboradoras fixas.

Administrar o Valkirias é uma tarefa compartilhada entre as editoras, que são responsáveis por manter todo o site em funcionamento. Das questões mais burocráticas até revisão, edição, monitoramento e atualização de redes sociais e relacionamento com o público, somos nós que cuidamos de tudo. É um trabalho que nunca acaba e, embora nos deixe cansadas de vez em quando, ver o quanto o Valkirias cresceu nesse tempo nos deixa repletas de alegria e nos dá disposição para continuar. A relação que construímos com as pessoas que curtem o site é uma das coisas das quais mais nos orgulhamos, assim como as amizades e parcerias que fizemos pelo caminho.

Ter um projeto independente é viver o melhor e o pior da experiência de se realizar alguma coisa. O melhor porque é lindo e muito estimulante ver o site crescer a partir do nosso trabalho, com pessoas curtindo e compartilhando ideais e ideais que nos são tão caros, e nos dando tanto apoio e carinho em tempo integral. Mas a conta é toda nossa e ela também chega para cobrar seu preço.

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Quais filmes ou séries recentes vocês recomendariam para repensar a representação da mulher no cinema e na televisão?

Em ano de estreia de Mulher-Maravilha fica difícil não falar do filme. Não é um filme perfeito, mas segue como um importante marco para a representação da mulher no cinema. Mesmo sendo uma super-heroína de armadura relativamente curta, em nenhum momento do longa a personagem foi sexualizada ou objetificada. Fez diferença quando há uma mulher —  no caso Patty Jenkins —  atrás das câmeras. Outras produções que seguem a mesma linha e nos fazem pensar e debater, são as séries de destaque no Emmy, principalmente Big Little Lies, que abre uma gama de possibilidades para pensarmos sobre as questões que envolvem ser mulher, mãe e esposa. Crazy Ex-Girlfriend é importante tanto ao falar sobre saúde mental, mostrando o lado mais realista e cruel desses transtornos, como também oferece uma protagonista complexa (ao lado de outras personagens femininas fortes) que vive em conflito com seu próprio ideal de mulher independente e feminista, um fardo que pode ser muito cruel. É um trabalho muito bacana porque se dispõe a enfrentar todas essas frentes: Rebecca é triste, difícil, moralmente confusa e sem limites não porque ela é mulher, mas porque mulheres são humanas.

É impossível, também, não mencionar The Handmaid’s Tale, série adaptada do livro O Conto de Aia, de Margaret Atwood. Além do elenco espetacular, a série abre uma ótima discussão sobre o que representa, para uma mulher, ter controle sobre o próprio corpo. Parece uma realidade distópica, mas serve para demonstrar muito bem que, infelizmente, as questões relacionadas à saúde e à vida da mulher e à liberdade sexual ainda estão atravessadas pelo interesse da manutenção de um mundo machista. Por fim, The Bold Type; uma série levíssima, daquelas que aquecem o coração, mas que consegue passar uma ideia muito boa sobre amizade feminina.

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E quais livros vocês recomendariam?

Muito tem se falado sobre a Tetralogia Napolitana da Elena Ferrante, com toda a razão, mas Dias de Abandono é outra obra dela que merece destaque. É um livro curto, mas certeiro demais ao falar sobre a condição feminina pensada a partir de papéis como esposa e mãe, no sentido mais incômodo de todas essas questões. Americanah, da Chimamanda Ngozi Adichie, aborda os entrelaçamentos de raça e gênero e como essas questões afetam o que é ser mulher. Somos Guerreiras, da Glennon Doyle Melton, se debruça não apenas sobre a socialização problemática de mulheres em uma sociedade patriarcal, enquanto a autora narra sua própria trajetória de busca pela própria voz, o que é incrível.

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O Valkirias é um coletivo formado pelas seguintes editoras, além das autoras e colaboradoras:

Ana Claudia F. Vieira nasceu em Santa Catarina, mas mora na Serra Gaúcha. Tem 24 anos, é quase advogada, graduada pela Universidade de Caxias do Sul.

Ana Luíza Alves tem 24 anos e é escritora. Nascida e criada em Brasília, estuda Audiovisual na Universidade de Brasília. Atualmente, divide seu tempo entre a graduação, o Valkirias e a produção cinematográfica independente.

Anna Vitória Rocha é do interior de Minas Gerais, com residência fixa na internet. Formada em Jornalismo, trabalha com redes sociais e assessoria de imprensa enquanto pesquisa ativismo online com ênfase em gênero e violência.

Paloma Engelke nasceu e vive no Rio de Janeiro. Escritora, advogada, e mestranda em Sociedade, Direitos Humanos e Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com ênfase em gênero.

Thayrine Gualberto nasceu em Belo Horizonte, mas mora em Curitiba. É formada em Arquitetura, ama ler e escrever. Assiste a mais seriados do que dá conta e compra mais livros do que consegue ler.

Yuriko Yogi mora no litoral de São Paulo. É formada em Licenciatura em Letras (Português/Inglês) e trabalha como revisora e tradutora. Entusiasta de Literatura Inglesa e Americana, pretende especializar-se formalmente na área, enquanto estuda os aspectos da cultura pop em paralelo, no seu tempo livre.

Crédito das colagens: todas foram criadas para o Valkirias