saudade não tem tela [por mari zappa]

por Cantão

Preciso admitir que nos últimos anos me tornei, assim como 90% dos meus conhecidos, quase uma dependente dos aparelhos celulares. Brilhantes, com capas coloridas e milhões de aplicativos e funções que eu nunca vou usar na vida. Um salva-vidas no ócio do trânsito na cidade e a chave de um portal para toda e qualquer informação do universo.

É incrível como não consigo mais me imaginar vivendo sem esse objeto mágico, sem essa coisa que encanta e aprisiona. A ponto de procurar tomadas como numa caça ao tesouro ou de desistir de viagens só por descobrir que o 3G não pegava no local.

Acontece que nos últimos dias eu tive uma experiência que me fez repensar muito sobre esse aparelho (que inclusive, está em uma das minhas mãos nesse exato momento). Um feriado inteiro sem o meu carregador, esquecido em casa. Um feriado inteiro forçada a viver sem celular. Um feriado sem e-mail, sem notificações do facebook, sem imagens de praia, sem filtros e pôr-do-sol no instagram.

Imaginem só, não morri de tédio. Muito pelo contrário. Dormir sem ter hora pra acordar, ver o pôr do sol na tela cheia, mergulhar e deixar a bolsa em cima da canga sem se preocupar se vai ter alguém furtando (não tem nada de valor mesmo). Ler um livro inteiro num dia, olhar pra fora da janela e sentir o vento, escutar um cd todinho, de verdade, não uma playlist. Procurar o que fazer, rabiscar e perceber que você ainda desenha bem, tão bem quanto há alguns anos. Saudade.

Descobri nesse feriado que saudade não tem tela, não tem alerta pedindo atenção. Saudade é pé no chão, barulho de mar, cheiro de mato e papel fotográfico numa caixa embrulhada com laço de fita.

Vou prometer pra mim, ou pelo menos tentar, que os próximos fins de semana sejam de saudade. Aonde o celular fique de escanteio e tudo que eu consiga escutar seja o rádio, tocando novos baianos, no meio da sala. Quanto aos próximos feriados em Itacoatiara, acho que vão ser sem celular mesmo, esquecido de propósito no meu apartamento. Na mochila vai só o que for muito essencial, e uma câmera analógica pra guardar a saudade.

Os emails podem ficar pra segunda, o mundo espera.

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