azul [por veronica fantoni]

por Cantão

Lembro de você falando daquele livro. Aquele livro longo que você vinha lendo há muitos dias, aquele best-seller indicado no topo das listas de todas as revistas semanais, você de azul celeste, eu de azul royal, eu sempre achei que as estrelas fossem azul safira boiando no céu azul marinho, ainda acho, nunca foram?

Lembro de você falando daquele livro que logo vai virar mais um filme de romance bem clichê: procura-se galã perfil intelectual-sensível, doces olhos europeus são um diferencial. Parece até que eu já posso ver as moças assoando seus narizes vermelhos na saída do cinema. Lembro de você falando daquele livro em destaque nas grandes mesas de madeira envelhecida nas entradas das livrarias, essas mesas devem custar uma fortuna, é o que sempre penso, você deve ter comprado aquele livro em algum aeroporto.

As livrarias dos aeroportos são inevitavelmente as piores, elas nunca tem ou terão um Bukowski pra cuidar de você nas noites de insônia, um Bukowski pra te partir em pedaços e depois ir te juntando um a um.

Certeza que você tentou ler aquele livro durante alguma viagem, dormiu antes mesmo de virar a página e acordou arrependido por ter carregado aquele tijolo na bagagem de mão.

Lembro de você falando daquele livro: você de pé na minha frente, com um sorriso frouxo que me embriagava lentamente e uma garrafinha de água mineral na mão, falando daquele livro que eu achei péssimo, aposto que você também achou péssimo e nem chegou ao final, mas você achou que precisava falar comigo sobre livros e eu de pé na sua frente, traçando uma linha imaginária entre minha boca e seu queixo, não prestava atenção em nada do que você dizia.

Mas confesso que gostava de falar com você sobre livros, sobre estrelas, sobre água mineral ou sobre o azul, porque eu gostava de ouvir a sua voz.

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